Felipe Freitas de Souza

 

JUDEO-BOLCHEVISMO E ISLAMOFOBIA CONTEMPORÂNEA: CONVERGÊNCIAS ENTRE XENOFOBIAS E INTOLERÂNCIAS

 

O preconceito contra muçulmanos no Brasil é comumente relatado por seguidoras e seguidores do Islam. Pesquisas quanto à islamofobia vêm sendo conduzidas recentemente no GRACIAS [Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes], grupo ao qual nos filiamos, coordenado pela Professora Doutora Francirosy Campos Barbosa na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto. Neste ensaio, objetiva-se apresentar algumas hipóteses sobre a historicidade do fenômeno da islamofobia, que investigo em meu doutorado. É profícua a definição de Bayrakl e Hafez que compartilhamos:

“A islamofobia é definida como racismo anti-muçulmano. É sobre um grupo dominante de pessoas que aspiram a tomar, estabilizar e ampliar seu poder por meio da definição de um bode expiatório – real ou inventado – e excluindo esse bode expiatório dos recursos, direitos e definição de um “nós” construído. A islamofobia opera construindo uma identidade “muçulmana” estática, que é atribuída em termos negativos e generalizada para todo um grupo de muçulmanos, muitas vezes colocados em oposição aos governos vigentes” [BAYRAKLI; HAFEZ, 2019, p.1-2 – tradução nossa]

Uma definição como essa remonta à questão étnica e de culpabilização dos muçulmanos. No caso brasileiro, a figura do imigrante ou do refugiado, portador de uma cultura e/ou religião identificada como alienígena, é um tema presente em alguns discursos xenofóbicos. Todavia, como frisamos, é à historicidade dessa forma de preconceito que buscamos discutir e, para tanto, é importante retomarmos outros preconceitos pregressos.

Acerca da convergência entre judeo-bolchesvismo e islamofobia, Giorgio Agamben, em O que resta de Auschwitz, nos apresenta uma figuração do muçulmano: quando um prisioneiro em Auschwitz estava numa tal situação de decrepitude causada pelos intensos maus-tratos e brutalidades, características dos campos de concentração e de extermínio, recebia a denominação de Muselmann [Agamben, 2008]. Em um dos relatos citados por Agamben, têm-se uma descrição do que é um muçulmano em um campo de concentração:

“O assim chamado Muselmann, como era denominado, na linguagem do Lager, o prisioneiro que havia abandonado qualquer esperança e que havia sido abandonado pelos companheiros, já não dispunha de um âmbito de conhecimento capaz de lhe permitir discernimento entre bem e mal, entre nobreza e vileza, entre espiritualidade e não espiritualidade. Era um cadáver ambulante, um feixe de funções físicas já em agonia. Devemos, por mais dolorosa que nos pareça a escolha, excluí-lo da nossa consideração” [Améry, 1980, apud Agamben, 2008, p.49].

Em outro texto citado por Agamben, se afirma que: “Observando de longe um grupo de enfermos, tinha-se a impressão de que fossem árabes em oração. Dessa imagem derivou a definição usada normalmente em Auschwitz para indicar os que estavam morrendo de desnutrição: muçulmanos” [Ryn; Klodzinski, 1987 apud Agamben, 2008, p.51]. Esses relatos evidenciam uma prática nos campos: a da permissão para “[...] que se separe o muçulmano do homem” [Agamben, 2008, p.56]. O muçulmano nesse contexto era o não-humano, aquele que, apesar de ser da mesma espécie, não era digno dos cuidados e preocupações humanas, tendo se tornado a testemunha que cruzou o limiar entre humano e não-humano. Acreditamos ser significativo o uso da expressão “muçulmano” para identificar pessoas que eram espancados até a morte ou abandonados, sendo impossível olhar para eles e testemunhar suas vidas, pois essa é a situação de muitos refugiados hoje. Esses muçulmanos não poderiam se comunicar, apenas serem relatados por outrem – o que nos recorda a perspectiva orientalista que Edward Said [2007] tão bem criticou, do árabe e muçulmano não mais falarem por si, sendo os orientalistas os porta-vozes da verdade de ambos.

Hoje existem, sob a justificativa de proteção à Democracia e ao mundo civilizado, espaços de opressão e destruição de vidas: os campos de refugiados e os campos de Abu Ghraib e Guantanamo, por exemplo, herdeiros que são dos campos de concentração pela exceção que implantam, onde se recepcionam os que são tidos como bárbaros com o tratamento da tortura institucional, a qual “[...] é ainda pior que a tortura individual por subverter qualquer ideia de justiça e de direito” [Todorov, 2010, p.147], mostrando, na base da dor e da opressão, todo sofrimento civilizatório que só o Ocidente foi capaz de provocar e dar continuidade. Os EUA, em sua Guerra ao Terror pós-Atentados de 11 de Setembro, colocou-se em uma Cruzada contra o Mal. Todavia, o país que clama ser livre e que pretensiosamente leva a Democracia ao mundo é o mesmo país com a maior população carcerária, pessoas expulsas do convívio social, do planeta, um contingente de explorados pela implantação de fábricas dentro das prisões; os que não estão presos assistem à financeirização da vida e ao assassinato de biomas inteiros, interna e externamente ao seu território, para a continuidade do projeto Capitalista [Sassen, 2016]. Para além das injustiças sociais relatadas, na lógica da Guerra ao Terror, matar em nome da religião é primitivo e bárbaro: civilizado é quem mata em nome do projeto de soberania do Império americano.

Se hoje são os imigrantes, refugiados e muçulmanos que acirram as propostas de uma sociedade controlada e vigiada como a Guerra ao Terror buscou promover, em passado pouco distante, na Alemanha hitlerista, uma ideia semelhante justificou a implantação de campos de concentração e de extermínio, concebendo parte da humanidade como digna de execução: a do judeo-bolchevismo, “[...] a crença de que o comunismo era uma conspiração judaica.” [Hanebrink, 2018, p.4 – tradução nossa]. No passado, a associação entre judeus e comunismo se via na Hungria, Polônia, Romênia, Alemanha; somente após o fim da Segunda Guerra Mundial que surge a apreensão de uma sociedade judaico-cristã, onde o judaísmo foi visto “[...] como um aliado ideológico do cristianismo na luta do Ocidente contra o mal secular totalitário do comunismo” [Hanebrink, 2018, p.2811]. A ideia de civilização ocidental judaico-cristã é então uma construção anti-comunista, que mudou ao longo do tempo, e se hoje existe a percepção dos muçulmanos enquanto formas de vida que ameaçam o “nosso” modo de vida, isso aponta que judeus e muçulmanos muito se assemelharam em alguns pontos quanto ao preconceito que sofrem. É significativo que em um fórum neonazista como o Stormfront [stormfront.org/forum], tanto judeus quanto muçulmanos são odiados.

Além dos citados, houveram outros episódios do temor Ocidental frente aos judeus e aos muçulmanos: Guinzburg [2007] relata que nos séculos XII ao XIV da Era Comum, houveram diferentes percepções de uma conspiração entre judeus, leprosos e muçulmanos, chamados de mouros ou sarracenos, para destruírem a Europa e a cristandade. Os guetos começam a surgir, tanto guetos de leprosos quanto de judeus, por volta desse período, ainda de acordo com Guinzburg [2007]. Outro episódio relatado pelo historiador é o da expulsão dos judeus por suspeita de conluio com muçulmanos para a deposição do rei da França – culminando na expulsão dos judeus, em 1322, dos domínios do papa João XXII. O primeiro capítulo de História Noturna [Guinzburg, 2007] recebe o nome significativo de Leprosos, Judeus, Muçulmanos: eram esses os principais párias ao final da Idade Média europeia. Afirmar que o preconceito contra judeus e muçulmanos é medieval não é somente uma metáfora, mas uma descrição em partes objetiva daquilo que historicamente se relata.

Soyer [2017] apresenta outro momento em que o preconceito contra judeus e muçulmanos caminhou pari passu: a teoria conspiratória portuguesa do médico assassino no século XVII. Antes de prosseguirmos, é importante considerar que os muçulmanos ocuparam a Península Ibérica por oito séculos, do VII ao XV da Era Comum, perdendo finalmente qualquer poder administrativo em 1492 [HERTEL, 2015]. Muito se engana os que imaginam que muçulmanos saíram e cristãos entraram quando da chamada Reconquista – a assim chamada retomada das terras das coroas portuguesas e espanholas por forças cristãs. Cristãos e muçulmanos e judeus conviveram na Península Ibérica e mesmo após a Reconquista continuaram convivendo. Houveram éditos reais nos século XV e XVI da Era Comum impondo a conversão ao cristianismo de muçulmanos e judeus – postura muito distinta da praticada por muçulmanos na península. Com a retomada das terras pelos cristãos, essa tolerância mudou. Exemplo disso é a narrativa que Soyer [2017] resgata:

“Em sua diatribe anti-semita intitulada Breve discurso contra a heretica perfidia do judaismo, impressa pela primeira vez em Lisboa em 1622, o escritor português Vicente da Costa Mattos protestou contra muitas conspirações secretas. Ele acreditava que essas conspirações estavam sendo orquestradas por descendentes de judeus – genericamente conhecidos como "cristãos-novos" – para alcançar a destruição completa tanto da Igreja Católica quanto das monarquias ibéricas da Espanha e Portugal. Uma das afirmações mais marcantes feitas no Breve discurso é que os alegados falsos convertidos estavam sistematicamente se infiltrando nas profissões médicas para serem capazes de assassinar católicos genuínos não descendentes de judeus – os chamados Cristãos Velhos – e particularmente para assassinar indivíduos tanto na hierarquia eclesiástica quanto da aristocracia secular.” [Soyer, 2017, p.51-2 – tradução nossa]

O temor de médicos cripto-judeus levou mesmo à proposta de uma limpieza [limpeza], com a proibição do acesso de judeus a algumas ordens religiosas e ofícios. Para agravar isso, duas cartas [falsificadas] entre judeus na Espanha e judeus no Império Otomano “demonstravam” um complô para o assassinato de cristãos [Soyer, 2017]. Em algum tempo, os judeus foram proibidos de aprenderem o ofício da Medicina: nem os judeoconversos [cristãos-novos] ficaram de fora, demonstrando a intolerância étnica que rondou e ainda ronda os judeus na Europa:

“[...] um encontro de bispos e eclesiásticos portugueses, reunidos na cidade de Tomar na primavera e no verão de 1629 para encontrar um “remédio contra o judaísmo” [remédio do judaísmo], aludiu ao perigo representado pelos médicos judeoconversos em seu relatório à Coroa. Exigiram a proibição imediata da prática da medicina e da farmácia por judeoconversos” [Soyer, 2017, p.62 – tradução nossa]

Tal preconceito não ficou somente no passado:

“A propaganda neonazista, supremacista branca e extremista católica / protestante produzida nos Estados Unidos e na Europa continua a apresentar os judeus como a força motriz por trás da legalização do aborto, que é apresentado como o assassinato médico de crianças em gestação e como parte integrante da uma trama anti-gentia mais ampla” [Soyer, 2017, p.69 – tradução nossa]

Por fim, apontamos os nexos entre o antissemitismo passado e a islamofobia atual em duas obras. A primeira, de Hamid Dabashi [2011], Pele Marrom, Máscaras Brancas [“Brown Skin, White Masks”, sem tradução], que é uma forma de continuidade da obra Pele Negra, Máscaras Brancas do psiquiatra e filósofo político Frantz Fanon, abordando como que pensadores de contextos islâmicos passaram a apoiar as iniciativas imperialistas, atuando enquanto informantes e colaboradores. Acerca do novo contexto para o preconceito, afirma:

“[...] na atual América do Norte e na Europa Ocidental – e por extensão no mundo que procuram dominar – o marrom tornou-se o novo negro e os muçulmanos os novos judeus. Isso ocorre porque uma recodificação das relações de poder racistas é o modus operandi de uma condição de dominação em constante mutação, na qual o capital cria continuamente suas próprias culturas elusivas.” [Dabashi, 2011, p.6 – tradução nossa]

Isso porque o preconceito contra muçulmanos hoje, assim como o dos judeus no passado, serve a um propósito maior de justificar e impor uma ordem social dada – atualmente, ao Capital. Se concordarmos com o filósofo coreano Byung-Chul Han, ao afirmar que “[...] o capitalismo não é uma religião, pois cada religião opera com culpa e desculpa. O capitalismo só é inculpador.” [Han, 2017, p.25 – grifos do autor], espera-se que em diferentes formações os interessados na continuidade e expansão do capitalismo ou, em outras palavras, do sistema-mundo ocidental, encontrem, um após o outro, culpados, bodes-expiatórios, para direcionar suas ansiedades e temores perante inseguranças que esse próprio sistema gera por seu tripé: racismo, sexismo e dominação da natureza [Mignolo; Walsh, 2018].

A segunda obra que apreende essa semelhança é a de Enzo Traverso, The end of jewish modernity [“O fim da modernidade judaica”, sem tradução], onde estabelece paralelos entre como judeus foram vistos e como muçulmanos ao afirmar que “Em termos políticos, o espectro do terrorismo islâmico substituiu o do judeo-bolchevismo.” [Traverso, 2016, p.94 – tradução nossa]. Se um perigo vermelho [comunista] ameaçava a Europa, hoje se vê a ameaça verde [islamismo] como esse algoz à espreita. Ameaças tríplices – demográfica, cultural e religiosa –, judeus e muçulmanos são possíveis ameaças à essa civilização Ocidental.

A preocupação com essa temática se enfatiza quando consideramos algumas produções recentes sobre os muçulmanos, onde se reproduzem mitos sobre o Islam que “[...] são de fato históricos, mas se baseiam em uma interpretação distorcida ou seletiva do passado.” [Kumar, 2012, p. 42 – tradução nossa]. Após a eleição de Bolsonaro, já em Dezembro de 2019, a produtora Brasil Paralelo teve o primeiro episódio de sua produção audiovisual Brasil – a última cruzada veiculado no canal TV Escola, órgão vinculado ao Ministério da Educação e que por esse Ministério foi fundada em 1995. No audiovisual citado, diferentes expositores, como o saudosista da monarquia Luiz Philippe de Orleans e Bragança e o autointitulado filósofo e líder de seita Olavo de Carvalho, são consultados enquanto especialistas para proferirem seus juízos de valor acerca, dentre outras questões, da presença islâmica na Península Ibérica entre os séculos VIII e XV da Era Comum. Nos posicionamentos desses expositores apreende-se uma iniciativa revisionista, a qual atribui à Coroa Portuguesa a tentativa de continuar sua expansão em nome da cristandade, caracterizando os muçulmanos e o Islam em uma oposição binária entre o Bem e a Civilização [cristianismo] e o Mal e a Barbárie [Islam]. A retórica do Choque de Civilizações é a tônica nessa produção, de revisionismo histórico manifesto, proponente de uma retórica xenofóbica nesse novo meio de expressão de preconceitos, a internet. Han [2017] aponta que conhecer o outro presencialmente ocorre de um modo, já conhecer o outro pela internet implica em outras dinâmicas de projeção e reconhecimento – e que ainda precisam ser dimensionadas quanto aos muçulmanos no Brasil.

Um dos legados daquilo que resta de Auschwitz, parte da normalização do paradigma dos campos de concentração, será então essa percepção de que muçulmanos são os rebaixados, os indignos de serem ouvidos, os que podem ser os vilões dos filmes de ação [como mostra o documentário Filmes Ruins, Árabes Malvados], as vidas que podem ser esbanjadas para mantermos a nossa própria vida – o homo sacer de Agamben. Sassen [2016] discute em sua obra algumas tendências subterrâneas sobre as lógicas das diferentes lógicas de expulsões contemporâneas: indicamos que a islamofobia é dos vetores dessas tendências. É o minarete que não pode mais ser construído na Suíça por referendo popular influenciado por partidos populistas [Pereira, 2017], é o véu que a mulher muçulmana não pode usar em certos contextos na França, em uma “[...] contínua tentativa de homogeneização cultural em território francês, obstruindo qualquer confiança no vigor de uma cidadania diversa e participativa.” [Souza, 2018, p.256], é a Manifestação do Grupo Direita São Paulo [hoje Movimento Conservador] contra a lei de migração no Brasil aos gritos de “Abaixo, abaixo, a lei da imigração, eu quero meu país longe da islamização” [a partir dos 23’]: os exemplos são infindáveis de como, no presente, os entusiastas do capitalismo não visam mais apenas incluir populações sob sua égide, mas incluir alguns e, principalmente, expulsar outros. É o Untermenschen [“subumano”, em alemão] um dos legados de Auschwitz que hoje se apresenta do outro lado da trincheira em uma batalha espiritual imaginada contra a islamização.

Se concordarmos com Kumar [2012] de que a islamofobia é o novo macarthismo e considerando a forma como os judeus foram tratados no passado, tanto o antissemitismo quanto a islamofobia não são fenômenos apenas religiosos, reação de cristãos preocupados em resguardar sua hegemonia religiosa obtida ao custo do extermínio de populações nativas e do imperialismo, mas são sim fenômenos políticos que expressam formas de poder e controle embebidos em intolerância e xenofobia, em uma forma narcísica, auto-centrada, e anti-amorosa, pois o amor é palco de dois e abertura para o outro [Han, 2017]. Quanto a esses tópicos, vacila o amor cristão em prol do domínio e subjugação de quem expressa alteridade.

Finalizando, uma das lições que apreendemos e que compartilhamos enquanto alerta para nós mesmos e para eventuais leitores, é a de que Islam e Ocidente não são, absolutamente, conceitos estáticos. Para quem busca investigar cientificamente e elaborar narrativas historiográficas coerentes, é preciso conceituar o que se entende por Islam e o que se entende por Ocidente – objetivos que não se pretenderam neste ensaio. Hertel [2015] informa que será preciso abandonar a pretensão de que existem conceitos estáticos ou autoexplicativos: Islam e Ocidente são categorias que evocam ambiguidade na descrição do passado ou do presente. Conceituá-los e trabalhá-los adequadamente é nosso ofício enquanto pesquisadores das Humanidades.

Concluímos indicando a necessidade de se criticar as exposições revisionistas e xenofóbicas, principalmente pelos riscos em não apreenderem a complexidade de um fenômeno tão complexo quanto o Islam ou o judaísmo, os muçulmanos ou os judeus, suas presenças heterogêneas e plurais. Se há uma generalização, talvez de valor mais profilático do que científico, é de que toda violência física é precedida por violência simbólica: autorizar no plano das ideias o extermínio, de judeus ou de muçulmanos, precedeu o extermínio de fato de judeus ao longo da história europeia e de muçulmanos com Cruzadas, colonialismo, imperialismo, Guerra ao Terror, etc. Compreender o Brasil como país ocidental de tradição judaico-cristã só é possível ignorando-se todas as fés e culturas exterminadas em prol desse projeto de adesão ao Ocidente europeu e americano. Em tempos de ascensão de extrema-direita em escala planetária, não é inútil recordar que “A xenofobia constitui o programa mínimo dos partidos de extrema direita.” [Todorov, 2010, p.17] – partidos esses que são herdeiros e perpetuadores de uma história de xenofobia, intolerância e preconceito que hoje se desenrola, em ritmo alucinado, perante nossos olhos bestificados.

 

Bibliografia

Felipe Freitas de Souza é Professor de Educação Infantil na Prefeitura de Araraquara, doutorando em Ciências Sociais na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara, Divulgador do Islam pelo Instituto Latino Americano de Estudos Islâmicos de Maringá – PA, mestre em Educação Tecnológica pelo CEFET-MG e pedagogo pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara.

 

AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. São Paulo: Boitempo, 2008.

AMÉRY, Jean. At the Mind’s Limits: Contemplations by a survivor on Auschwitz and Its Realities. Bloomington: Indiana University Press, 1980.

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BAYRAKLI, Enes; HAFEZ, Farid. Introduction. In.: BAYRAKLI, Enes; HAFEZ, Farid [eds.]. Islamophobia in Muslim Majority Societies. Nova Iorque: Routledge, 2019. p. 1-4.

BRASIL, a última cruzada. Episódio 1: A Cruz e a Espada. Produção de Brasil Paralelo. Porto Alegre: Brasil Paralelo, 2017. [52 min.]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TkOlAKE7xqY. Acesso em: 11 set. 2020.

DABASHI, Hamid. Brown Skin, White Masks. Londres: Pluto Press, 2011.

FILMES Ruins, Árabes Malvados: como Hollywood vilificou um povo. Direção de Sut Jhally. [S.L.]: The Media Education Foundation, 2006. [50 min.]. Disponível em: https://vimeo.com/14994922. Acesso em: 11 set. 2020.

GUINZBURG, Carlo. História noturna: decifrando o Sabá. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

HAN, Byung-Chul. Agonia do Eros. Petrópolis: Vozes, 2017.

HANEBRINK, Paul. A specter haunting Europe: the myth of judeo-bolshevism. Cambridge: Harvard University Press, 2018.

HERTEL, Patricia. The Crescent Remembered: Islam and Nationalism on the Iberian Peninsula. Eastbourne: Sussex Academic Press, 2015

KUMAR, Deepa. Islamophobia and the politics of empire. Chicago: Haymarket Books, 2012.

MIGNOLO, Walter D.; WALSH, Catherine E. [eds.]. On decolianity: concept, analytics, praxis. Durham [NC, USA]: Duke University Press, 2018.

PEREIRA, João Luiz Quinto. Minaretes proibidos: demarcação cultural ou islamofobia constitucionalizada?. São Carlos: EdUFSCar, 2017.

RYN, Zdzislaw; KLODZINSKI, Stanslaw. An der Grenze zwischen Leben und Tod: Eine Studie über die Erscheinung des “Muselmanns” im Konzentrazionslage, Auschwitz-Hefte. Weinheim e Basel: Belzt, 1987.

SAID, Edward. Orientalismo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.

SASSEN, Saskia. Expulsões: brutalidade e complexidade na Economia Global. Rio de Janeiro / São Paulo: Paz e Terra, 2016.

SOYER, François. Antisemitism, Islamophobia and the Conspiracy Theory of Medical Murder in Early Modern Spain and Portugal. In: RENTON, James; GIDLEY, Ben [ed.]. Antisemitism and Islamophobia in Europe: a shared story?. Londres: Palgrave Macmillan, 2017. p. 51-75.

SOUZA, Giovanna Lopes. Direitos humanos e cultura: a fragilidade do discurso universalista no contexto francês. Revista Sem Aspas, [S.L.], v. 7, n. 2, p. 249-258, 5 ago. 2018. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/semaspas/article/view/12141/8276#. Acesso em: 11 set. 2020.

TODOROV, Tzvetan. O medo dos bárbaros: para além do choque das civilizações. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

TRAVERSO, Enzo. The end of jewish modernity. Londres: Pluto Press, 2016.

13 comentários:

  1. Bom dia, Felipe!! Muito interessante teu texto!!! Parabéns!! Minha questão é a seguinte: se vc chegou a verificar as questões relacionadas às políticas israelenses em relação a palestinos? e como podemos entender esses elementos no mundo atual, diante da ascensão das diretas em várias partes do mundo?

    Eduardo dos Santos Chaves - educhaves4@hotmail.com

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    1. Olá, Eduardo! Agradeço sua leitura do texto e seus elogios. Muito obrigado.
      Agora, procurando responder sua questão: esse não é meu tema de pesquisa e minha resposta tem a ver com as poucas leituras (de Norman Finkelstein, principalmente) e meu pouco convívio com palestinos. A política israelense é a de um estado de apartheid, capilarizado em instituições acadêmicas e que espalham a perspectiva de que antissemitismo é sinônimo de antissionismo visando inviabilizar qualquer crítica a Israel - o que me parece uma retórica simplista e que desvia o foco da questão principal, que é da brutalidade sionista contra palestinos.
      Concordo que "o que resta de Auschwitz" é a normalização do Estado de Exceção. Infelizmente, a força de ocupação da Palestina vem praticando esse Estado de Exceção, expulsando a população, sequestrando terras, prendendo crianças, etc.
      A ascenção das direitas... olha, penso muito com o que Todorov aponta. Acho que é isso mesmo, o programa mínimo dos partidos de direita e extrema direita é a xenofobia. Foi assim no passado, é assim na contemporaneidade. Na Europa, conforme meu texto indicou, os judeus eram os grandes inimigos; hoje os muçulmanos são os inimigos. E esse discuro de "amigo e inimigo" em relação com a ideia de "comunidade imaginada" que o B. Anderson desenvolve me parece mais aderente aos partidários e aos partidos de direita e extrema direita do que a compreensão dos impactos do neoliberalismo no sistema-mundo. Penso na questão dos imigrantes e refugiados: hoje eles já chegam sendo suspeitos em muitos países "Ocidentais", supostos exemplos de Democracia e de Modernidade. Hoje penso que assistimos não ao ataque ao particular - ao muçulmano ou ao judeu, por exemplo -, mas sim um ataque ao universal: nem todos são humanos, nem todos devem ser cidadãos, nem todos podem estar "aqui". E isso é um resultado do neoliberalismo contemporâneo mais do que um ódio inerente.

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  2. Boa tarde Felipe, muito relevante o seu trabalho. Interessante as conclusões que você observa examinando as referências em relação ao projeto de adesão ao ocidente europeu e americano em um país tão diverso quanto o nosso. Gostaria de saber se essa convivência entre entre cristãos, judeus e muçulmanos na Península Ibérica durante a ocupação muçulmana se deu por conta da política de tolerância aos povos do livro? Se você pudesse comentar um pouco, se essa relação era possível por meio do pagamento de impostos...

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  3. Boa tarde Felipe, muito relevante o seu trabalho. Interessante as conclusões que você observa examinando as referências em relação ao projeto de adesão ao ocidente europeu e americano em um país tão diverso quanto o nosso. Gostaria de saber se essa convivência entre entre cristãos, judeus e muçulmanos na Península Ibérica durante a ocupação muçulmana se deu por conta da política de tolerância aos povos do livro? Se você pudesse comentar um pouco, se essa relação era possível por meio do pagamento de impostos.

    Gabriela Lima Caixeta de Deus - gabriela.deus@ufms.br

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    1. Paz, Gabriela.
      Obrigado por sua pergunta, pela sua leitura e pelo seu elogio.
      Pois, acho que esse convívio se deu exatamente por essa perspectiva da tolerância. Na história islâmica temos exemplos de convívio entre judeus, critãos e muçulmanos. Por exemplo, a promulgação da Constituição de Medina ou do Pacto de Omar são exemplos legais de proteção dos muçulmanos aos Povos do Livro. A questão do imposto para populações não-muçulmanas com certeza influenciou nesse convívio, ora negativa, ora positivamente. Negativamente quando as populações eram abusadas pelos dominantes; positivamente quando os impostos eram utilizados para benfeitorias comuns. E isso pode parecer injusto, mas os muçulmanos devem pagar o zakat, é um dos pilares da fé a caridade, então numa região governada por muçulmanos, todos que tiverem condições são obrigados a contribuir para o bem-estar social - e os que não tem devem ser beneficiados.
      Tem relatos do Profeta Muhammad convivendo pacificamente com cristãos e judeus... Considerando-se que o Profeta é o exemplo último para muçulmanas e muçulmanos, não é de se estranhar que esse convívio tenha sido mais pacífico que qualquer outra coisa. Indico o livro "Jerusalém: uma cidade, três religiões", da Karen Armstrong, no qual ela mostra como que as populações muçulmanas lidaram com as população não-muçulmanas na cidade de Jerusalém e, bem, os exemplos são interessantíssimos por mostrarem exatamente o contrário do que as pessoas imaginam. Por exemplo, quando Omar ocupa Jerusalém, ele envia cartas aos judeus que haviam sido expulsos da cidade pelos cristãos para retornarem a Jerusalém.
      Espero ter contemplado sua questão. Mais uma vez obrigado!

      Felipe Freitas de Souza

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  4. Olá, Felipe! Boa tarde! Muito interessante e importante toda a sua produção, em uma disciplina que cursei há algum tempo foi requerido a elaboração de um texto, tendo em vista a História Comparada, da perseguição aos judeus (e outras minorias) no século passado e a Islamofobia que tem sido mais debatida após os anos 1990 e sobretudo após o 11 de setembro. Assim, seu texto me trouxe muito disso na memória. Estou lendo esse livro do Todorov e adorei as referências, conheci novos autores que com certeza me auxiliarão em pesquisas futuras.
    Sobre as pontuações que você fez ao citar o Ginzburg, achei muito interessante, porque Boaventura de Sousa Santos também reflete, em um de seus artigos, pontos interessantes nessa mesma vertente ao falar do "Iluminismo" mouro e judaico que possibilitaria a Renascença europeia e que infelizmente gerariam os racismos e extermínios/perseguições de grupos. São pontos muito interessantes de observar como os choques culturais, como dizia Popper, que levam aos "progressos" e que muitas vezes essas relações são obliteradas na História, por relações de poder, silenciamentos, etc. O "Tratado sobre a tolerância" e algum livro do Schopenhauer (se não me engano, "Dores do mundo") esses autores europeus expõem como outros territórios (China, Otomanos, etc.) e religiões conviveram em relativa harmônia por séculos, importante essas considerações para quebrar paradigmas de "barbárie" em contextos no passado e que afetam o presente. Do mesmo modo que os pontos que você pontuou, que surgem para justificar bodes expiatórios, o famoso "marxismo cultural" e o "Ocidente judaico-cristão", por exemplo, etc. Curti tanto ver a referência ao Byung-Chul Han.
    Ademais, parabenizo pela pesquisa e agradeço suas considerações e recomendações feitas.
    Att,
    Kelvin!

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    1. Ah, que legal que você gostou, Kelvin! Agradeço sua leitura. E de fato, tem essas questões contemporâneas como o "marxismo cultural" e a "tradição judaico-cristã ocidental" que passam como coisas dadas, como se fossem fatos da realidade concreta e não construções históricas.
      O Buyng-Chul Han tem sido uma leitura muito profícua... Apesar de sentir falta de algumas coisas nele, ajuda muito em minha pesquisa para lidar com a questão da alteridade, mídias sociais e as mudanças nas relações contemporâneas.
      Todorov é uma leitura realmente boa, esse livro dele me parece fundamental para a crítica ao Ocidente e seus modos de exclusão.
      E as suas referências também me ajudaram muito, pensando aqui se não deveríamos combinar de preparar algum texto juntos para o próximo evento!
      Abraço,

      Felipe Freitas de Souza

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  5. Excelente artigo, como citado no final “A xenofobia constitui o programa mínimo dos partidos de extrema direita.” [Todorov, 2010, p.17]. Desta forma, como você vê o papel da oposição a essa extrema direita principalmente no Brasil; essa oposição existe, e se existe suas medidas são efetivas na prática ou apenas demagogia eleitoreira. Na sua visão, qual seria a resposta para frear o crescimento dessas ideologias extremistas, tendo em vista, como a história nos mostra, que estas podem provocar graves consequências se continuarem a proliferar.

    Fernando Müller

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    1. Muito obrigado, Fernando! Vou tentar responder seu comentário, espero contemplá-lo sem oferecer uma solução para a questão, mas pensando algumas coisas a se fazer.
      Lembro do paradoxo da tolerância do Popper, de que a tolerância ilimitada leva à intolerância. Hoje isso se manifesta pela junção perigosa da liberdade de expressão e da liberdade de culto: a pessoa se sente legitimada para colocar, no espaço público, suas opiniões sobre as pessoas, as religiões, os hábitos, as orientações sexuais, etc. como se tivessem o estatuto de verdade. Quando combatidos, arvoram-se na liberdade de expressão para que saiam impunes de homofobia, transfobia, intolerância religiosa e demais preconceitos. As direitas nadam de braçada nisso; penso muito no "Nas ruínas do neoliberalismo" da Wendy Brown quando ela coloca que os cristãos brancos são os ressentidos de hoje, que atacam minorias e os parcos direitos sociais do Estado de bem-estar social. Aí esses se organizam nesses pensamentos proto-fascistas ou fascistas, como o integralismo e, hoje, o bolsonarismo - o qual identifico como um arregimentador de grupos de direita, extrema direita, direita radical e ultra-direita, com características proto-fascistas claras, que vão desde o mito de origem, a hierarquia social e demais pontos relatados por Jason Stanley em "Como funciona o fascismo".
      Dito isso, penso que um caminho equivocado é a judicialização da questão: enfrentar os grupos de extrema direita e de direita radical enquanto proto-fascistas, multar, prender, etc. é reproduzir uma lógica muito complicada. Penso na educação como forma principal de construir uma cultura de paz, onde diferentes opiniões possam ser expostas sem que elas levem necessariamente ao ódio, onde possamos reconhecer as diferentes contribuições. Não creio que uma coisa como a Quarta Teoria Política leve à superação disso - pelo contrário, são de certo modo retornos ao fascismo pois propõe etno-estados e essa é uma proposta bem nazi, aliás. Creio que temos muito trabalho para que a diversidade seja vista como uma potencialidade, não como um problema, que o imigrante e refugiado volte a ser visto como um ser humano, não como um parasita ou uma ameaça (como a "jihad demográfica" que os paranoides denunciam). E isso implica não somente uma mudança de cultura, mas mudança nos modos de produção e nos modos de consumo. E aí o entrave é o neoliberalismo mesmo.
      Comecei lhe dizendo que não tenho uma resposta, mas acho que esses apontamentos podem nos levar a alguns diálogos necessários. Obrigado por sua leitura, mais uma vez, e me desculpe caso minha resposta tenha fugido à questão.

      Abraços,


      Felipe Freitas de Souza

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  6. Javier Octavio Guerin8 de outubro de 2020 às 18:01

    Boa tarde Felipe. Seu trabalho tem se mostrado muito interessante e motivador para reflexão. A partir dele, se você me permitir, surge a seguinte pergunta:
    Você prestou contas em seu trabalho sobre a coexistência pacífica entre judeus e muçulmanos. Pode-se dizer que esta forma foi rompida com o conflito israelense-palestino, ou existe um precedente mais antigo?
    De agora em diante, agradeço muito sua atenção. Cumprimentos.
    Javier Octavio Guerin

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    1. Boa tarde, Javier! Antes de continuar a resposta, obrigado por seus apontamentos.
      Olha, a questão do convívio entre judeus e muçulmanos ser pacífico tem muito a ver com contextos. Quando o Profeta Muhammad migrou para Medina, haviam comunidades de judeus ali que o receberam e acolheram. Ele tinha amigos judeus. Posteriormente, quando o califa Omar ocupa Jerusalém, ele envia mensagens aos judeus que haviam sido expulsos pelos cristãos para que retornassem à cidade - Karen Armstrong descreve bem esse evento em "Jerusalém: uma cidade, três religiões", livro excelente. Esse convívio continuou em outros contextos. Seja no Império Turco Otomano, seja em Argel e nos navios piratas (em "Piratas, mouros e hereges" do Peter Lamborn Wilson aborda-se esse episódio), não existe uma desavença essencial entre judeus e muçulmanos. O conflito israelense-palestino (considerando-se que Israel não é um estado, mas uma ocupação que realiza apartheid) é um episódio triste, mas que não abalou esse convívio em absolutamente todos os lugares. Judeus e muçulmanos ainda convivem em alguns contextos, existem comunidades de judeus mesmo numa teocracia como o Irã. A questão palestina destrói a imagem do sionismo, mostrando-o como ideologia extremista e assassina; de modo algum o sionismo representa o judaísmo, pois a religião judaica e nem os judeus são responsáveis pelos crimes contra a humanidade cometidos pela ocupação sionista. A compreensão dessa distinção é muito comum, ao menos nos círculos que frequento, e imagino que seja comum em outros contextos. Particularmente, nunca presenciei um imam proferindo um discurso antissemita - pelo contrário. Antissionista já; e aí já acho que é compreensível, dada a brutalidade sionista.

      Felipe Freitas de Souza

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    2. Javier Octavio Guerin9 de outubro de 2020 às 20:07

      Muito obrigado Felipe! Sua resposta foi muito completa e enriquecedora para mim. Cumprimentos!
      Javier Octavio Guerin

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