Manoel Adir Kischener e Everton Marcos Batistela

 

ALCANCES E LIMITES DA OBRA DE EDWARD WADIE SAID: ESTUDO INTRODUTÓRIO


 

Introdução

No dia a dia da escola, o Oriente é tão distante. A proximidade ou não, depende, em essência, do enfoque que o professor de História da Educação Básica possa propiciar aos seus alunos em suas estratégias metodológicas e de como este acessa meios e formas de conteúdo no fazer de suas aulas.

 

Certos temas até chegam à mídia e, para aqueles que assistem aos noticiários televisivos, se informa, notadamente ou em sua maioria de temas, a violência praticada, de alguma forma, naqueles vistos como distantes países do Oriente.

 

Até por formação – um limite posto desde a graduação – o estudo e o acesso ao conteúdo sobre esta região geográfica do mundo e, pelo conceito (no sentido da teoria, Orientalismo, para que se analise, e se contraponha às visões ocidentais) por assim dizer, é mínimo.

 

Louváveis são estas oportunidades, como o simpósio se propõe, que ao menos se acesse ao estado da arte, àquilo que se mantém como pauta dos especialistas e dos preocupados com esta parte da História.

 

Em período de intensa Globalização, de crescente disseminação da internet as possibilidades de estudo do outro podem multiplicar-se.

 

As fronteiras territoriais, então, parecem menores, a conexão entre os diferentes povos e, o acesso à sua História são propiciados aos professores com algum grau de interesse – e sensibilidade – em renovação de sua proposta.

 

E mesmo com as crescentes migrações, povos das mais diferentes origens se encontram, dialogam e trocam. Como Edward Wadie Said (nascido em Jerusalém, 1935- morte em Nova York, 2003) escreve, “Como palestino de origem, sempre procurei ter consciência de nossas fraquezas e deficiências como povo. [...] fomos incapazes de atrair o interesse do Ocidente para a legitimidade de nossa causa” [SAID, 2012, p. XLVIII].

 

Em sua obra mais famosa “Orientalismo” faz a afirmação que deixa muitos dos autoproclamados marxistas em complicada posição, pois Said critica a “[...] visão homogeneizadora de Marx do Terceiro Mundo” [SAID, 1979, p. 325, traduzido].

 

Estas duas passagens ilustram como Said pode vir a se constituir em evidente paradoxo ao professor de História da Educação Básica: tanto pode ser visto como seu adepto, se o professor de História for favorável a causa da Palestina (e a maioria é) ou como adversário (se este se declarar marxista), pois o mesmo ousou criticar a uniformidade que Marx, em seus escritos iniciais, postulou sobre o “resto” do mundo, a partir de Europa. Mas, felizmente, nem todos consideram a História a partir da perspectiva militante.

 

E é desta forma que a História se renova. Nesta linha, o objetivo do texto é apresentar – a partir das leituras iniciais do primeiro autor e de suas inquietações quanto ao tema, despertas a partir da compreensão de Musto [2018] – as ideias a respeito de Edward Wadie Said, a crítica quanto aos alcances e limites especialmente a respeito de sua ideia-chave: o Orientalismo.

 

Mas o que é o Orientalismo?

Macfie [2000] que edita obra sobre o Orientalismo, a partir de suas leituras, identifica fases no percurso desta tradição, por assim dizer, de pensamento e de escrita que, em tempos recentes ascendeu a crítica mais severa a noção de Ocidente, principalmente depois da obra Orientalism, de Edward Said, em 1978.

 

De acordo com o autor, há inicialmente, o mito. E três são os nomes responsáveis por este: James Mill (que sem ter nunca ter ido à Índia, fez uma história crítica a civilização hindu, pior, carregada de preconceitos e estereótipos), Georg W. F. Hegel (que advogou que foi no mundo germânico que a razão alcançou seu estado mais elevado e, com isso, as civilizações anteriores eram consideradas manifestações imperfeitas do espírito de mundo) e Karl Marx (quando ainda um estudante, e ao seguir seu mestre até então, em artigo de jornal de 1853, onde chega a pensar que, a Índia não teria história e sua civilização, a hindu, “era indigna, estagnada e vegetariana”).

 

A respeito deste último, Macfie [2000] inclui trechos do artigo “The British Rule in India”, que foi publicado pelo New York Daily Tribune, onde um Marx determinista (e imaturo intelectual) assim expõe a respeito das características da sociedade da Índia:

 

“[...] não devemos esquecer que essas comunidades idílicas das aldeias, por mais inofensivas que possam parecer, sempre foram o fundamento sólido do despotismo oriental, que restringiram a mente humana à menor bússola possível, tornando-a a ferramenta irresistível da superstição, escravizando-a sob a tradição, privando-a de toda grandeza e energia histórica” [in: MACFIE, 2000, p. 16-17, traduzido].

 

De acordo com Macfie [2000] a fundação da crítica a estes pressupostos, que se dão, principalmente, a partir da obra de Said; este elabora sua teoria, em influências e leituras a partir da obra de Friedrich Nietzsche, a partir da tradução destas ideias em Michel Foucault; Antonio Gramsci e Jacques Derrida são outros autores que fomentaram a tese desenvolvida em Orientalism.

 

O próprio Eward Said informa que: “Um dos legados do orientalismo, e de fato um de seus fundamentos epistemológicos, é o historicismo, ou seja, a visão pronunciada por Vico, Hegel, Marx, Ranke, Dilthey e outros, de que se a humanidade tem uma história, é produzida por homens e mulheres” [SAID, 2000, p. 355, traduzido].

 

De acordo com Turner [1994, p. 3, traduzido], o debate sobre o Orientalismo advindo a partir da obra de Said e outros, propiciou a “[...] origem a uma nova abordagem para a descolonização e a escrita da história”.

 

Para Little [2008] a crítica de Said, ao longo dos anos 1980 e 1990, ampliada em outro livro, Culture and Imperialism de 1993, mostrou o papel dos Estados Unidos ao apoiar Israel e, com isso, de certa forma, contribuiu ao criar a imagem polarizada a respeito do Oriente.

 

Que se passou a se ver o árabe como o outro, em um olhar com clara conotação racista, que este povo seria antidemocrático, quase que, por natureza; logo se vislumbrou – a partir do entendimento dos governantes dos Estados Unidos da época e de sua política externa para o Oriente Médio – um “[...] Israel democrático e um mundo árabe homogeneamente não democrático, no qual os palestinos, despojados e exilados por Israel, passaram a representar ‘terrorismo’” [LITTLE, 2008, p. 35, traduzido].

 

Nesta linha, Kern [2009] afirma que o panorama da obra de Said revela que o Oriente ao ser apropriado em estudos pelo Ocidente passou a ser “orientalizado”, nessa perspectiva o autor concorda com Said quanto a pensar que o que circula por uma cultura não é a verdade, ao menos esta em sua forma absoluta e, sim representações daquela primeira.

 

Assim sendo, o Oriente seria uma invenção ou parte de uma fantasia, logo, um desejo que beira à paranoia “[...] de marcar diferenças e definir limites, de criar não apenas o Oriente (‘eles’), mas também o Ocidente (‘nós’) também” [KERN, 2009, p. 70, traduzido] e, de expor as suas contradições e diferenças, notadamente favoráveis ao primeiro.

 

De acordo com Butler [2002, p. 15-16, traduzido] a obra de Said “[...] tentou mostrar os efeitos de distorção da projeção da Grande narrativa ocidental”, ao denunciar, seguindo Foucault e Nietzsche, entre outros, que as “[...] grandes narrativas políticas imponentes são, na melhor das hipóteses, mistificadoras tenta manter alguns grupos sociais no poder e outros fora dele”.

 

Nesta linha, o próprio autor afirma que “[...] a antiquíssima distinção entre ‘Europa’ e ‘Ásia’ ou ‘Ocidente’ e ‘Oriente’ agrupa sob rótulos muito amplos todas as variedades possíveis de pluralidade humana, reduzindo-a no processo a uma ou duas abstrações coletivas terminais” [SAID, 1979, p. 155, traduzido].

 

Alcances da obra de Said

A grande contribuição de Said, de acordo com Bohrer [2005] talvez tenha sido a defesa de que o Ocidente ao lançar olhar sobre o Oriente, o fez associando ao seu equivalente um grau de inferioridade.

 

Conforme o autor, para assim entender a crítica de Said é necessário compreender que “[...] o arranjo entre as partes é fundamentalmente hierárquico e binário” [BOHRER, 2005, p. 122, traduzido], depende da origem da proposição e do olhar e, dele se saem ou podem ser declaradas, uma série de pares determinados, por exemplo: nós x eles, eu x o outro, norte x sul ou ainda, colonizador x colonizado. O que não deixa, de ser também um limite da obra de Said.

 

Por outro lado, “[...] a dicotomia Ocidente-Oriente, criticada por Said, não se aplica à colonização das Américas, uma vez que nunca foram vistas desde a perspectiva do imaginário geocultural europeu como um ‘Oriente’ - em polaridade com a Europa - que gozava em certo sentido do mesma importância e status” [SCHLOSBERG, 2004, p. 21, traduzido].

 

Porém, para Massad [2004, p. 11, traduzido], em discordância (ou em apropriação acrítica por muitos?): “O orientalismo também viajou para fora da América, para a Europa, Ásia, África e América Latina. Ele viajou em tradução e como método. No mundo árabe tornou-se um evento, assim como na América e na Europa” e, neste sentido, “[...] sua obra teve um efeito significativo no desenvolvimento de qualquer estudo e / ou compreensão das relações entre o Oeste metropolitano e a periferia descolonizadora” [MARROUCHI, 2004, p. 11, traduzido].

 

De acordo com este último autor,

 

“É na narrativa alimentada pela raiva política e pela frustração que encontramos o verdadeiro brilho de Said [...] Sua obra nos pede que examinemos nossa própria condição, política e existencial, particularmente aqui no Ocidente, onde optamos por não olhar por muito tempo ou muito difícil porque as pressões externas não nos obrigam a fazê-lo” [MARROUCHI, 2004, p. 5, traduzido].

 

Da raiva política que, às vezes, se beneficia da formação religiosa e alimenta muitos movimentos sociais atuais, nesta linha, em tempos de ataque às crenças das pessoas simples por acadêmicos e, de fortalecimento do mito que todo cientista é ateu: “Said foi educado e confirmado como anglicano. Sua família imediata incluía clérigos (seu avô fundou a primeira igreja Batista em Nazaré)” [VEESER, 2010, p. 94, traduzido].

 

Um outro alcance: as leituras de Said, para além dos teóricos hegemônicos, por assim dizer; há quem enxergue até influência do brasileiro Paulo Freire em sua obra, pois “Sua concepção idealizada de representação combinava a crítica cultural defendida por Stuart Hall com as qualidades auto-representacionais dissidentes da ação participativa dos sujeitos sugeridas por Fanon e Paulo Freire” [ISKANDAR e RUSTOM, 2010, p. 13, traduzido].

 

Por fim, por sua inegável contribuição, perdeu principalmente o Oriente Médio quando de sua morte, em 2003, pois “[...] seu desaparecimento da arena pública deixou uma lacuna na compreensão da política internacional contemporânea na região” [ISKANDAR e RUSTOM, 2010, p. 3, traduzido].

 

Limites da obra de Said

Segundo Dallmayr [1996], em seu estudo, Said que se aproximou de Nietzsche, e pensou o Orientalismo como espécie de “vontade de poder”, de conhecimento, ao buscar contrapor a noção de Ocidente a de Oriente, e nesse sentido, de acordo com o autor, em crítica à Said: “[...] o discurso orientalista não reflete um compromisso sério, mas um ‘imaginário’ social ou modo de ‘representação’ imposto para fins puramente estratégicos” [DALLMAYR, 1996, p. XVI, traduzido].

 

Uma das razões da crítica marxista ao estudo de Said, de acordo com Turner [1994] se deu pelo fato de quando a teoria do Orientalismo surgiu em momento ainda de certo vigor do marxismo enquanto alternativa, especialmente política, ao se considerar o comunismo.

 

Por outro lado, Siddiqi [2007, p. 78, traduzido] afirma que “Said parece abraçar um materialismo não marxista, até patrício, literalmente vendo na ontologia do trabalho a possibilidade de uma transcendência dos efeitos homogeneizantes e despersonalizantes das conveniências modernas”.

 

A despeito disso, King [2001] comenta que a obra de Said encontra limites justamente ao não se perceber, até que ponto, sua obra segue completamente a perspectiva foucaultiana, apesar deste endossar, em algumas partes, uma visão anti-representacional quanto àquele; em que pese a contrariedade de Moore-Gilbert [2000, p. 40, traduzido] de que “[...] Said não é de modo algum um discípulo acrítico de Foucault” e de sua desconstrução pós-moderna, ao menos não daquela exposta nos escritos de Merquior [1985], que denuncia que “[...] Foucault não ousou incluir sua própria teoria naquilo que ele diz do pensamento dos intelectuais” [MERQUIOR, 1985, p. 227], no niilismo de cátedra.

 

Outra crítica, de acordo com o autor está no fato da perspectiva de Said, talvez, enfatizar excessivamente a passividade do nativo (no caso, o árabe), pois “[...] ele realmente não discute, nem sequer permite, as maneiras pelas quais os povos nativos do Oriente usaram, manipularam e construíram seus próprios aspectos positivos respostas ao colonialismo usando concepções orientalistas” [KING, 2001, p. 86, traduzido].

 

King [2001] também afirma que a divisão do mundo Leste versus Oeste tão fortemente atacada por Said, deveria ser revista, conquanto, na atualidade “[...] pode-se falar com mais precisão de uma divisão entre ‘Norte’ e ‘Sul’ ou entre o ‘Primeiro’ e o ‘Terceiro’ Mundos” [KING, 2011, p. 188, traduzido], em que pese esta última noção, empregada pelo autor também deva ser corrigida.

 

Outro limite é exposto por Dirks [1992]. De acordo com este e, junto a outros autores da linha pós-estruturalista como o próprio Said

 

“[...] ou Ranajit Guha e o coletivo de historiadores indianos Subaltern Studies, adotam os mesmos textos de Gramsci, Foucault ou Williams como fundamentais que são recitados em outras partes da academia. Ignoramos, por nossa conta e risco, as manifestações da situação pós-colonial nas universidades provinciais da Ásia e da África, onde esses teóricos significariam formas elitistas de exclusão, novas formas ocidentais de dominação. Existem movimentos políticos e culturais locais que encarariam as críticas pós-estruturalistas com alarme; [...] que frequentemente invocam velhos textos coloniais de indignação moral como suporte em sua luta” [DIRKS, 1992, p. 12, traduzido].

 

Também Said seria anti-humanista e, pior, de acordo com Moore-Gilbert [2000, p. 42, traduzido] “[...] Said vê o Orientalismo como um ‘departamento’ do humanismo”, por outro lado, “[...] ao mesmo tempo, propõe uma versão reconstituída do humanismo, adumbrada no trabalho de certos orientalistas em primeira instância” justamente para sair daquilo que entende como dicotomização e essencialização, que são características do Orientalismo.

 

Nesta linha, Dabashi [2009, p. XV e 125, traduzido] entende o humanismo de Edward Said como um “humanismo residual”, mas um “desafiador humanismo” como confirma mais à frente. É deste que, ao titubear em assegurar e por fim afirma ser o “humanismo teimoso” que o próprio Said disse que, “[...] procurou navegar no terreno de uma crítica democrática onde o assunto conhecido é multifacetado e autocrítico” [DABASHI, 2009, p. 171, traduzido], reconhece.

 

Por outro lado, muitos dos críticos de Said veem seu “[...] texto como conflituoso em termos de método, tendem a argumentar que, em um nível temático, a visão de Said sobre o orientalismo é ela mesma homogeneizante e totalizante, e que, a esse respeito, ele replica as operações do discurso que critica” [MOORE-GILBERT, 2000, p. 44-45, traduzido].

 

O próprio autor defende a ideia de uma “Teoría ambulante”, onde “[...] se assume a forma de influência reconhecida como inconsciente, de empréstimo criativo ou de apropriação integral, os movimentos de ideias e teorias de um lugar para outro” [SAID, 2004, p. 303, traduzido].

 

Outro limite: “Said insistia que o intelectual fosse um amador, não um profissional” [MASSAD, 2004, p. 8, traduzido] e, ao contrário, foi um intelectual, apesar de sua relação com o movimento palestino, mas de pouca efetividade neste, pois “A teoria do intelectual de Said sofre com sua superidentificação com a universidade e fixação com o literário” [SCALMER, 2007, p. 44, traduzido].

 

Pois, em verdade, foi na Universidade que gozou de reconhecimento e segurança, próprias daqueles que se beneficiam da vida acadêmica, profissional; mesmo que, o próprio autor afirme que: “As representações do intelectual, suas articulações de uma causa ou ideia para a sociedade, não têm como objetivo principal fortalecer o ego ou celebrar o status” [SAID, 1996, p. 20, traduzido].

 

Considerações finais

Estudar Said é um desafio. Posta-se mais dois alcances de sua obra: ao se pensar que “O orientalismo foi submetido ao imperialismo, positivismo, utopismo, historicismo, darwinismo, racismo, freudianismo, marxismo, spenglerismo” (e resistiu!), contudo, esta teoria, “[...] como muitas das ciências naturais e sociais, teve ‘paradigmas’ de pesquisa, suas próprias sociedades eruditas, seu próprio estabelecimento” [SAID, 1979, p. 43, traduzido].

 

O que é ensinamento mister a todo professor de História. O estabelecer ou o nascer de reflexões próprias, que partam da realidade (local) com olhos no global. Ainda que, “[...] da mesma maneira que o fenômeno do orientalismo não desaparece apenas porque alguns de nós alcançamos uma consciência crítica dele, uma certa versão da ‘Europa’, reificada e celebrada no mundo fenomênico das relações cotidianas de poder como cenário do nascimento do moderno, ainda domina o discurso histórico” [CHAKRABARTY, 2008, p. 58, traduzido].

 

Mas que fazer?

 

Finaliza-se com limites de sua obra: em nome de Marx e, em sua defesa, de acordo com Musto [2018, p. 73], “[...] a leitura de Said das obras de Marx é tendenciosa”, pois que, seletiva, ao não considerar, por exemplo, que as afirmações que se vale de Marx a respeito da Índia eram de um autor jovem (então imaturo com 35 anos e, em reflexão ingênua) e, que, o que é fundamental, muda de ideia, amadurece a reflexão, a respeito do que trata nas cartas a Vera Zasulitch em Marx e Engels [2015, p. 108], quando Marx afirma que “[...] a supressão da propriedade comum do solo não passou de um ato de vandalismo inglês, que não impulsionou o povo indiano para frente, mas o empurrou para trás”.

 

Anteriormente, Ahmad [2000, p. 223, traduzido], esclarece a prática de Said quanto a escrita citada de Marx, “[...] ele separa certa passagem de seu contexto, insere-a no arquivo orientalista e se move em direções diferentes, até mesmo contraditórias”; ao fazer isso, Said, esquece, estranhamente (à época docente na consagrada Columbia University), de procedimentos básicos quando se faz a leitura de um autor, que são verificar o contexto de sua escrita, sua maturidade intelectual, as fontes que teve acesso etc., justamente porque Marx não conhecia aquela realidade descrita em “The British Rule in India”.

 

Cabe estudar mais a respeito de Edward Wadie Said? Com certeza; até para melhor conhecer sua obra e não fazer a leitura seletiva que este fez com a escrita de Marx: o que expõe fraturas no alicerce de sua teoria pós-colonialista.

 

Referências

Manoel Adir Kischener é historiador, doutorando em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Everton Marcos Batistela é filósofo, doutor em Sociologia e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Dois Vizinhos.

 

AHMAD, Aijaz. In theory: classes, nations, literatures. 2nd repr. London: Verso, 2000.


BOHRER, Frederick N. The sweet waters of Asia: representing difference/ differencing representation in Nineteenth-Century Istanbul. In: HACKFORTH-JONES, Jocelyn; ROBERTS, Mary. (Edits.). Edges of empire: Orientalism and visual culture. Malden: Blackwell Publishing, 2005, p. 121-138.


BUTLER, Christopher. Postmodernism: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2002.


CHAKRABARTY, Dipesh. Al margen de Europa: pensamiento pós-colonial y diferencia histórica. Trad. Alberto E. Álvarez y Araceli Maira. Barcelona: Tusquets Editores, 2008.


DABASHI, Hamid. Post-orientalism: knowledge and power in time of terror. New Brunswick: Transaction Publishers, 2009.

DALLMAYR, Fred. Beyond orientalism: essays on cross-cultural encounter. Albany: State University of New York Press, 1996.


DIRKS, Nicholas B. Introduction: colonialism and culture. In: DIRKS, Nicholas B. (Edit.). Colonialism and culture. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1992, p. 1-25.


ISKANDAR, Adel; RUSTOM, Hakem. Introduction: emancipation and representation. In: ISKANDAR, Adel; RUSTOM, Hakem. (Edits.). Edward Said: a legacy of emancipation and representation. Berkeley: University of California Press, 2010, p. 1-2.


KERN, Robert. Orientalism, Modernism, and the american poem. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.


KING, Richard. Orientalism and religion: postcolonial theory, India and “the mystic East”. London: Routledge, 2001.


LITTLE, Douglas. American orientalism: the United States and the Middle East since 1945. 3ª ed. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2008.


MACFIE, Alexander L. (Edit.). Orientalism a reader. New York: New York University Press, 2000.


MARROUCHI, Mustapha. Edward Said at the limits. Albany: State University of New York Press, 2004.


MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Lutas de classes na Rússia. 1ª reimpr. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2015.


MASSAD, Joseph. The intellectual life of Edward Said. Journal of Palestine Studies, Berkeley, v. XXXIII, n. 3, p. 7-22, apr., 2004.


MERQUIOR, José G. Michel Foucault, ou o niilismo de cátedra. Trad. Donaldson M. Garschagen. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.


MOORE-GILBERT, Bart. Postcolonial theory: contexts, practices, politics. London: Verso, 2000.


MUSTO, Marcello. O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos (1881-1883). Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2018.


SAID, Edward W. A questão da Palestina. Trad. Sonia Midori. São Paulo: Editora Unesp, 2012.


SAID, Edward W. El mundo, el texto y el crítico. Trad. Ricardo G. Pérez. Buenos Aires: Debate, 2004.


SAID, Edward W. Orientalism reconsidered. In: MACFIE, Alexander L. (Edit.). Orientalism a reader. New York: New York University Press, 2000, p. 345-361.


SAID, Edward W. Representations of the intelectual. In: SAID, Edward. Representations of the Intellectuals: the 1993 reith lectures. New York: Vintage Books Edition, 1996, p. 3-23.


SAID, Edward W. Orientalism. New York: Vintage Books Edition, 1979.


SCALMER, Sean. Edward Said and the sociology of intellectuals. In: CURTHOYS, Ned; GANGULY, Debjani. (Edits.). Edward Said: the legacy of a public intellectual. Victoria: Melbourne University Press, 2007, p. 36-56.


SCHLOSBERG, Jed. La crítica posoccidental y la modernidad. Trad. Jorge G. Rendón. Quito: Universidad Andina Simón Bolívar/ Ediciones Abya-Yala/ Corporación Editora Nacional, 2004.


SIDDIQI, Yumna. Edward Said, humanism, and secular criticism. In: GHAZOUL, Ferial J. (Edit.).Edward Said critical decolonization. Cairo: The American University in Cairo Press, 2007, p. 65-88.


TURNER, Bryan S. Orientalism, postmodernism and globalism. London: Routledge, 1994.


VEESER, Harold A. Edward Said the charisma of criticism. New York: Routledge, 2010.

 

9 comentários:

  1. Obrigado pelo texto, Manoel e Everton. Muito interessante!
    Todavia, gostaria de lhes perguntar sobre a questão do Islam e dos muçulmanos. Vejo que o texto não abordou esses elementos que o Orientalismo se ocupou significativamente. Imagino também que os professores encaram limites para explicarem o que é Islam, o que é islamismo, o que é fundamentalismo islâmico, o que é extremismo islâmico... Vocês abrem o texto apontando a questão do cotidiano escolar: como romper esse Orientalismo (ou mesmo islamofobia epistêmica) no cotidiano do ensino de História? Obrigado!

    Felipe Freitas de Souza

    ResponderExcluir
  2. MANOEL ADIR KISCHENER

    Agradecido, Felipe! A escrita ainda é introdutória, como exposto, então poderemos chegar, quem sabe, à questão do Islamismo. Também acredito que a maioria dos professores, pelo menos aqueles da Educação Básica, tenham dificuldades quanto a abordar devidamente “[...] o que é Islam, o que é islamismo, o que é fundamentalismo islâmico, o que é extremismo islâmico...”, como escreve; i) uma primeira forma é se apropriar de leituras a respeito, pois o que oferece o livro didático é insuficiente (vejo o livro didático como uma boa ferramenta, já que às vezes, em determinadas escolas, é a única forma material que se tem acesso ao aluno; contribui para organizar a classe e, mesmo abre leques para que o professor, a partir de seu saber/preparo aborde as insuficiências deste livro, seja em conteúdo, seja em orientação teórica e mesmo ideológica); ii) essencialmente, as leituras estas não devem ser fechadas (o grande problema da apropriação e preparo para a Educação Básica, nossa formação, então, é o direcionamento que os mestres dão, na graduação, em sua maioria, em perspectiva pouco dialógica e, centrada em uma perspectiva, quando muito em duas, mas para diminuir a segunda; então, além de se ler pouco, o é a partir de fragmentos, muitas vezes, com problemas de tradução, e da própria defasagem cronológica que, ao não se ler em outras línguas, impede que se chegue ao debate na quentura deste); e iii) uma outra possibilidade, dentre outras, de nosso tempo, que é fértil em acesso, principalmente pela internet, de materiais que antes só estavam no livro impresso, há ainda as organizações e seus pontos de vista que, literalmente os vendem, às vezes, como escritórios de negócios neste mundo globalizado, as embaixadas, as igrejas, os think tank’s, as pessoas que mais influenciam, se expõem neste espaço, a produção cinematográfica etc., todas formas que possibilitam, de alguma maneira, análise sobre pontos de vistas que podem auxiliar o professor em sala de aula e, mesmo abrir leques até mesmo para um conhecimento superficial a respeito de países, dentro da linha “Oriente” que o aluno só sabe o nome ou vê alguma ligeira menção em Copa do Mundo ou outros eventos esportivos.
    Não sei se lhe respondo satisfatoriamente. Quem sabe sejam apontamentos mais a partir de minha perspectiva e, das experiências que tento levar adiante em sala de aula.
    Abraços!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Respondeu sim, Manoel, e agradeço muito sua resposta ampla sobre o tema, indicando diferentes possibilidades e mesmo "frentes de ação" para enfrentar a questão. A formação de professores é algo essencial e que me interessa muito também, creio que é o comprometimento que temos com as questões que se colocam na contemporaneidade e o temor do obscurantismo que combatemos cotidianamente, inclusive pela pesquisa.
      Obrigado, abraços!

      Felipe Freitas de Souza

      Excluir
    2. MANOEL ADIR KISCHENER
      Agradecido, Felipe! Sim, com certeza, também acredito que devemos ser pesquisadores. A ação com a pesquisa pode trazer ganhos inestimáveis, mesmo de sentido, ao aluno; como oportunidade de investigar a si próprio, portanto, o professor que se analisa, que se inquieta, faz o bom combate e contribui para que as visões dissonantes da realidade não prevaleçam, muito menos as ortodoxas (não sei o confrontamento que estimule as diferentes visões).
      Abraços!

      Excluir
    3. MANOEL ADIR KISCHENER

      * muito menos as ortodoxas (não sem o confrontamento que estimule as diferentes visões).

      Excluir
  3. Prezados Manoel e Everton, Parabéns pela discussão elaborada!

    Muito boa a discussão em torno do alcance e limite da obra de Said. Sou professor de história da educação básica e sinto dificuldades em fazer uma transposição didática dos textos que os livros didáticos oferecem sobre a China, a Índia e Oriente Médio, por exemplo. Percebo que nesses materiais, apesar da reescrita da história, ainda há estereótipos e preconceitos em relação ao Oriente. Gostaria de saber até que ponto Orientalismo e outras
    obras de E. Said ajuda numa reelaboração do discurso do autor do livro didático.
    Obrigado!
    Att,
    Rivaldo Amador de Sousa

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia Rivaldo! Acredito que a obra de E. Said se encontra inserida numa tendência crescente de reinterpretação (ou mesmo reconhecimento) do Oriente no âmbito da tradição ocidental. Esse é um texto introdutório e visa apontar para a importância da obra de Said para o entendimento das possibilidades que se abrem na relação Oriente/Ocidente. O correto uso da obra desse importante autor nos livros didáticos, por exemplo, requer um aprofundamento, mas as possibilidades são, sem dúvida, promissoras.

      Excluir
    2. Everton Marcos Batistela. |O comentário acima é meu, esqueci de assinar

      Excluir
    3. MANOEL ADIR KISCHENER
      Agradecido, Rivaldo! Com certeza as obras de Edward Wadie Said são úteis e necessárias a Educação Básica. Úteis, por expor um pensamento, que depois faz escola, com os estudos pós-colonialistas, por exemplo; neste sentido, toda uma estrutura de pensamento se abre ao professor da Educação Básica que se disponha, tenha fôlego, tempo, para tratar de leituras que exigem um rigor maior de dedicação, pois estes questionam a matriz de pensamento que nos formou, a perspectiva desde Europa, outros a revigoram, com ares regionalistas, em que pese os limites e mesmo, as lacunas deste tipo de linha de pensamento. Necessárias para oxigenar o pensamento, partindo dos clássicos e questionando-os, como fez Said, mas que o seja de forma atenta e sincera, pois este autor – e isso é um dos alicerces de seu pensamento – não fez uma leitura sensível e, talvez, respeitosa da obra de Marx, quando privilegiou, em sua crítica, o Marx jovem (desconsiderando toda a autocrítica que Marx faz em seus estudos de maturidade e, mesmo dos da fase final de vida, em sua correspondência que, agora é editada e, abordamos este aspecto no artigo).
      Como todo autor, Said pode e deve ser tratado na Educação Básica, como auxílio ou “[...] ajuda numa reelaboração do discurso do autor do livro didático”, como expõe, mas, com a devida crítica (o que se faz a todo autor), ressaltando os alcances e, sem medo, expondo os seus limites, o que, sem dúvida, contribuirá para que vossos alunos não sejam dogmáticos, candentes de um pensamento único que, assombra em muitas escolas e universidades. Resistiremos; é de nosso ofício. Abraços!

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.